‘A fonografia de massa, com o direto e exclusivo fim comercial é que se encontra ameaçada’
Igor Garcia é formado em Comunicação Social com habilitação para Publicidade e Propaganda. É pós-graduado em Teorias e Práticas de Comunicação. Seu interesse pela música, iniciado desde criança, tornou-o um especialista no tema. Os frutos de suas pesquisas já podem ser conhecidos pelo grande público. Além de possuir um blog especializado no tema (http://oladobom.blogspot.com/), Igor está lançando o livro ‘B, O Lado Bom - A Produção Fonográfica Independente Brasileira’ (Ed. Annablume’. Em uma entrevista exclusiva ao Blog Desburocratizando, ele falou sobre sua carreira, projetos e desmembrou esse cenário desconhecido pelo grande público. “Um simples computador, mesmo os adquiridos em lojas populares de varejo, está apto a fazer às vezes de estúdio, fábrica de suporte – agora virtual –, distribuidora e veículo de comunicação. Pode-se dizer, portanto, que nunca os independentes tiveram tanta independência”, afirma.
1. Como você define o atual cenário fonográfico mundial e, em especial, o brasileiro?
Percebo a fonografia hoje em momento decisivo. Dada a perda de eficácia das tradicionais fórmulas de produção, distribuição e divulgação, as gravadoras procuram agora novos meios de explorar a música. Tendo a pirataria física e virtual como agravante, o disco cada vez mais perde seu status de produto, sobretudo no universo da música de massa. Assim, a renda oriunda de shows e licenciamentos, que outrora foi acessória, tende agora a ser a principal. As companhias Warner e Sony/Day1 recentemente se ofereceram como agenciadoras de seu cast. Os artistas que compactuaram com a parceria – poucos, diga-se –, passam a ter de dividir compulsoriamente a participação na receita que já havia sido de sua exclusividade. Nota-se, neste ínterim, principalmente no Brasil, o êxodo de artistas rumo à autonomia fundando seus próprios selos e produtoras, perdendo em comodidade, mas ganhando em patrimônio, em liberdade e poder de decisão.
O grande trunfo da fonografia, no entanto, inegavelmente se dá através da internet e suas redes sociais, que beneficia – sobretudo – os novos artistas. A técnica e a mídia se democratizaram de tal maneira que qualquer um que possua um computador pode registrar, editar, mixar, distribuir e difundir uma criação musical. Não percebo a fonografia em xeque, como muito se profere. Ela está em franca ascensão, sobretudo a segmentada. A fonografia de massa, com o direto e exclusivo fim comercial é que se encontra ameaçada.
2. As fórmulas de trabalhos ‘ao vivo’ e ‘acústicos’ estão desgastadas?
Tais produções ebuliram em meados dos anos 90 após uma década de produção musical marcada por sintetizadores, muito responsáveis pela sonoridade pobre e artificial da música popular dos anos 80. Apesar de as gravações ‘acústicas’ e ‘ao vivo’ serem editadas e retocadas em ambiente de estúdio tanto quanto qualquer produção tradicional, elas ao menos parecem conservar certa aura temporal, o “aqui” e do “agora” de uma apresentação ao vivo, reportando o ouvinte a um ambiente mais realístico. Ressalte-se a oportunidade de trazer novamente à tona sucessos outrora consagrados, tornando-os novamente comercializáveis. Trata-se, portanto, de uma das fórmulas mais exitosas e lucrativas da indústria cultural. Tanto mais atrativo é o registro audiovisual destas produções, que tomam novo fôlego graças à popularização do DVD. Muitos dos ‘acústicos’ da década de 90 ressurgem agora em áudio e vídeo em seus volumes 2. São lugares comuns, mas ainda bem aceitos.
3. No livro ‘Lado B, O’ você aponta que as produções independentes estão ganhando força no mercado. A internet seria a causa dessa expansão?
Conforme mencionei há pouco, a internet e suas redes sociais configuram um precioso veículo de comunicação e difusão, certamente o mais democrático de que se tem notícia. Há cerca de 30 anos, quando as produções independentes começaram a se popularizar, o artista ainda arcava com altos custos para produzir um álbum de forma autônoma: os estúdios trabalhavam com o pouco prático e caro sistema analógico; o disco era LP, cujo fabrico é marcado por etapas artesanais – como a galvanoplastia, processo de geração de matrizes que envolve, entre outros materiais, a nobre prata. Uma vez prensados os discos, partia-se para a árdua etapa de distribuição e divulgação, ainda mais complicada numa época em que os eventos culturais e os veículos de comunicação eram em grande parte de massa. Era pouca ou nula a motivação de um lojista em comercializar o disco de um nome ou estilo desconhecido. Da mesma forma um programador de rádio ou televisão, sem receber o usual incentivo financeiro por parte da gravadora – o ‘jabá’ – não teria este interesse.
Através das facilidades trazidas pelo sistema de gravação digital, percebemos também a democratização da técnica. Um simples computador, mesmo os adquiridos em lojas populares de varejo, está apto a fazer às vezes de estúdio, fábrica de suporte – agora virtual –, distribuidora e veículo de comunicação. Pode-se dizer, portanto, que nunca os independentes tiveram tanta independência.
4. Grandes artistas como Djavan, Moska, Flavio Venturini, entre tantos outros, estão criando o próprio selo. Essa iniciativa pode ser entendida como uma medida à crise das gravadoras?
Esta foi uma questão que também procurei elucidar em ‘O Lado B’, que lista várias de tais produtoras e selos fundados por artistas consagrados ou com algum espaço já consolidado na mídia. Destaco, em especial, alguns: Albatroz, de Roberto Menescal; Amigo Records, de Roberto Carlos; Andança, de Beth Carvalho; Biscoito Fino, de Olívia Hime; Canto da Cidade, de Daniela Mercury; Carioca Discos, de Claudio Jorge; Dabliú, de José Carlos Costa Netto; Duncan Discos, de Zélia Duncan; Garota Sangue Bom, de Fernanda Abreu; Geleia Geral, de Gilberto Gil; Jam Music, de Jane Duboc; Lua Discos, de Thomas Roth; Luanda, de Djavan; Phonomotor, de Marisa Monte; Quitanda, de Maria Bethânia; Ramax, de Elba Ramalho; Roupa Nova Music, do grupo Roupa Nova; Sonhos e Sons, de Marcus Viana; Terreiro Discos, de Hélder Vasconcelos.
Com base nos depoimentos colhidos e pesquisados, posso crer que produtores e artistas reconhecidos costumam abandonar o sistema tradicional das majors partindo para o mercado independente almejando liberdade, tratamento personalizado e mais respeitoso além de controle próprio sobre sua obra. Deve-se ressaltar, entretanto, que a preocupação maior com a arte dificilmente poderia ser posta em primeiro plano por tais artistas se esses não tivessem conquistado a estabilidade em suas carreiras através do porto seguro ainda tentador oferecido pelas grandes gravadoras.
5. Quais as vantagens e desvantagens de ser independente no país?
Como já expus em momentos anteriores, uma produção independente pode prescindir parcial ou totalmente de questões outras, alheias à arte. É um pensamento lógico: quanto menos pessoas houver à volta de um artista, mais ele poderá ter liberdade de criação. Por outro lado, sem o amparo de uma companhia ele terá de empreender tudo, ou quase tudo, a sós. Terá ainda dificuldade no acesso dos veículos de maior alcance e na distribuição física de seu disco, se for o caso. Ressalte-se, no entanto, que muitos artistas contratados por grandes gravadoras tiveram início independente – vide NX Zero, Cine, Fresno e Mallu Magalhães. Como melhor elucido em ‘O Lado B’, as majors muitas vezes enxergam no mercado independente uma vitrine para novas oportunidades.
6. Quais os conselhos que você pode dar para alguém que esteja iniciando um caminho independente?
Primordialmente, creio ser necessário considerar a intenção da empreitada: aonde se quer chegar com ela, por qual razão fazer. Deve-se ainda pesquisar referências, conhecer com maior profundidade seu universo musical, pensar em novas propostas estéticas e, por fim, ter bom senso e discernimento para fazer de forma original e verdadeira o que se quer para não ser apenas mais um nome descartável no cenário artístico.
7. Falando de você, como surgiu seu interesse pela música?
Desde a primeira infância eu me via arrastando para onde ia minha vitrola e meu gravador. Por aquela época comecei a estudar violão e um pouco mais tarde piano, que foi decisivo para aprimorar minha percepção musical. No entanto, estive longe de ser um virtuose em tais instrumentos. A vida me levou para outros caminhos e hoje talvez mal me recorde de como executar um simples acorde.
Em relação às pesquisas, iniciei-as com grande arrebatamento no início da adolescência, quando resolvi comprar um toca-discos – aparato já tido como obsoleto àquela década de 90 –, e iniciar uma coleção de álbuns que inexistiam no formato CD e muito menos em Mp3. Surpreendente e inesperadamente os discos de vinil voltam a ser valorizados, como relatei em post de meu recém-criado blog: oladobom.blogspot.com.
Formei-me em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda e me pós-graduei em Teorias e Práticas da Comunicação. A pesquisa “O Lado B”, desenvolvida inicialmente como monografia apresentada à Fundação Cásper Líbero, é agora levada a público através da editora Annablume, companhia atenta ao segmento acadêmico. Seu lançamento ocorreu no dia 04/12 na livraria Martins Fontes, em São Paulo, e já se encontra disponível no site da editora: annablume.com.br. Até o mês de fevereiro de 2011, estima-se estar distribuído nacionalmente nas boas redes do ramo.
Sou também colaborador do livro “As Meninas do Cy – Vida e Música do Quarteto em Cy” – Coleção Aplauso/Imprensa Oficial, a ser lançado em janeiro – da autoria de minha amiga Inahiá Castro, para o qual pesquisei e comentei a discografia de um grupo que é referência em harmonia vocal. Este, por sinal, é um segmento de música que especialmente me apraz. Ouso gravar e mixar caseiramente arranjos para três, quatro ou mais vozes feitos para conjuntos vocais, mas configurando um mero e despretensioso hobbie.
Por fim, agradeço o convite e o apoio de vocês neste espaço. Ficam os meus desejos de harmonioso Natal e próspero 2011 com vida longa ao blog Desburocratizando.