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“O Brasil precisa ter uma mudança de mentalidade”


A agenda do Rio de Janeiro está cheia até 2016. E um desses eventos será neste ano. A Rio+20 ocorrerá vinte anos após a Rio-92. Em um momento que temas como aquecimento global está em voga, nada melhor do que discutir temas como economia verde e conscientização ambiental. Em uma entrevista exclusiva ao Blog Desburocratizando, o ambientalista Carlos Henrique Painel da Alternativa Terrazul e facilitador do GT Rio afirmou que precisamos “evitar que o mercado se aproprie dos bens comuns e faça a precificação da natureza”, afirmou.






1. A Câmara dos Deputados propôs que a Rio+20 seja um marco de desenvolvimento sustentável com responsabilidade social. Você acha possível?

Não, até porque a Câmara dos Deputados não tem governabilidade sobre a Rio+20 que é uma proposta do então presidente Lula em uma reunião na ONU em Nova York, em 2007, e foi uma proposta do governo brasileiro. Demorou um ano e meio para ser aprovada pela ONU tendo de fazer alguns ajustes, pois queriam incluir uma revisão do que aconteceu desde a ECO-92. A Câmara dos Deputados criou uma subcomissão que está viajando alguns lugares do Brasil, mas ela em si, não tem governabilidade para tocar o processo que está sendo organizado, principalmente, pela Casa Civil e pelo Ministério das Relações Exteriores.


2. Quais são as suas perspectivas para este evento?

A política é muito multifacetada. Hoje é uma coisa, mas amanhã pode ser muito diferente. Mas hoje, eu não acredito que nós avancemos muito nas posições que a gente tem. Saiu agora um documento da ONU que reúne as propostas do mundo inteiro para a Rio+20. É um rascunho do que vai ser debatido aqui. Eles estão dizendo que os compromissos que vão ser colocados aqui na Rio+20 são compromissos voluntários. Se quiser aderir, adere. Se não quiser, não adere. Aquele que aderir, mas não cumprir, não terá nenhuma sanção. É algo muito frouxo. O Protocolo de Kyoto termina no final deste ano e não existe um acordo para o clima. A Cop 15 foi que salvou alguma coisa, mas é muito incipiente diante da gravidade que é o problema do clima no planeta. Não há governabilidade muito grande. Entre os três principais atores que nós temos para a Rio+20 que são os governos, a sociedade civil e os empresários, quem está mais preparado são os empresários para tentar que a economia verde, ou seja, que o meio ambiente entre para uma economia de mercado que é tudo que a sociedade civil não quer.


3. Qual será a importância da Cúpula dos Povos nesta discussão?

Eu acredito que a Cúpula dos Povos é a única maneira de se forçar uma mudança de comportamento dos governos no sentido de assumir compromisso. A Cúpula dos Povos nada mais é do que a união de grande parte da sociedade civil mundial. Essa sociedade civil que está viva, que está pulsando que estamos trazendo para cá para poder forçar com pessoas na rua, com propostas a conferência principal que vai ocorrer no Riocentro. A Cúpula dos Povos é a única maneira da gente pode forçar essa barra. Ao mesmo tempo, a Cúpula não é um evento em si. Ela é um processo. A gente sabe que pode não conseguir grandes resultados aqui na Rio+20 no período que vai acontecer, mas se a gente conseguir aglutinar forças, pontos em comum que todos esses movimentos no mundo possuem para tentar fazer uma agenda e forçar uma barra com os governos em todos os encontros mundiais que irá acontecer pós-Rio+20, a gente acredita, então, que pode conseguir uma reorganização da sociedade civil.


4. É a primeira edição da Cúpula dos Povos?

É. Na Eco-92 foi feito um evento parecido chamado Fórum Global no Aterro do Flamengo.







5. 20 anos depois, você acha que dá dimensionar à Rio+20 a importância que teve a Eco-92?

Nãp, para você ter uma idéia, o evento da Rio-92 teve doze dias de duração. Esse evento agora terá apenas três dias de duração. Tem algo que eu acredito que enfraquece muito, que é muito temeroso que é o fato de dias depois da Rio+20 uma reunião da G-20 no México. O primeiro ministro inglês, David Cameron, que se elegeu dizendo que seria o maior governo ambiental da história, já disse que não virá para a Rio+20. Eu acredito que a gente não vai chegar nem perto dos grandes tratados que foram assinados na Rio-92.


6. Mas você acha que é possível a gente sair da Rio+20 com algum acordo assinado?

Apenas voluntários com alguns países dizendo que vão cumprir algumas promessas. Algum acordo como o Tratado da Biodiversidade, Tratado do Clima, Agenda 21, eu acho muito difícil. Agora, as coisas mudam. Se acontecer, por exemplo, uma grande catástrofe climática por aí, as coisas podem mudar. Hoje o cenário não é. Tanto que o governo sabendo da possibilidade de fracasso da Rio+20 criou também um evento para a sociedade civil para competir, entre aspas, com a Cúpula dos Povos, chamado de Diálogos para a Sustentabilidade. Então, de alguma maneira, o governo também quer influenciar no processo oficial. O país hoje tem um protagonismo meio ufanista, mas ele está fazendo várias regressões como o Código Florestal, no tratamento com os indígenas, o pequeno agricultor estão tendo uma grande dificuldade. Enfim, para você ter uma idéia, o documento oficial que saiu do país para a Rio+20, o Brasil é o maior produtor mundial de agrotóxico. Cada brasileiro bebe mais de cinco litros de agrotóxico por ano. E a palavra agrotóxico sequer é mencionada no documento.


7. Qual seria a prioridade brasileira em um novo tratado? O que o Brasil precisa mais evoluir nesse sentido?

Eu acho que precisa uma mudança de mentalidade. O Brasil está hoje com a mentalidade pós-revolução industrial na Europa e Estados Unidos consumindo todos os seus recursos naturais e esgotando tudo que lhe é precioso. Não existe mais uma floresta em pé na Europa. Eles já acabaram com tudo. No Sudeste da Ásia estão fazendo a mesma coisa. Então, a mentalidade de desenvolvimento que o Brasil está colocando é muito retrógada. Ela deveria estar fazendo isso pensando no meio ambiente. A Usina de Belo Monte não é feita para os moradores. Ela serve para a indústria, principalmente a de alumínio. O Japão fazia isso há vinte anos. Ele só produz, hoje, para uso externo. O Brasil quer esgotar todos esses recursos para crescer e gerar riquezas. O Brasil precisa ter uma mudança de mentalidade. Se não acontecer, fica difícil pensar em grandes avanços.


8. No final do ano passado, Canadá abandonou o Protocolo de Kyoto afirmando que ele não funcionava. O senhor concorda?

É verdade. Ele não funciona. Os maiores emissores, Estados Unidos e China, não participam. Por que o Canadá que assinou o protocolo teria sanção? O protocolo de Kyoto prevê sanção. Por isso, o Brasil também não assinou. Provavelmente, ele saiu pois não teria como manter as promessas feitas e evitar, assim, uma sanção.


9. É possível pensar em um acordo internacional sem a participação de Estados Unidos e China?

O problema que a indústria do combustível fóssil nos Estados Unidos é dominante. Já a China tem a maioria de suas termelétricas baseadas em carvão e em óleo. Eu acredito que da mesma menira que o Obama conseguiu implementar uma política de saúde universal, como a feita aqui no Brasil, eu acho que ele, não agora que será eleição nos Estados Unidos, se reeleito, assuma essa bandeira que ele prometeu na última eleição. Eu tenho a esperança que o Obama possa trabalhar a questão ambiental em seu segundo mandato.






10. Como que a sociedade civil pode participar da Cúpula dos povos?

A Cúpula dos Povos reúne uma grande quantidade de organizações, redes e fóruns de grande capilaridade nacional. E ela está puxando as discussões, mundo afora, sobre a Rio+20. A sociedade civil brasileira, a carioca em si, tem como se engajar nos encontros do GT pela sociedade civil. Ele é muito divulgado no site da Cúpula dos Povos e pelas redes sociais. A gente está construindo a agenda da Cúpula dos Povos para mostrar para o mundo que uma economia verde já existe com as vertentes da economia criativa, economia solidária e de uma nova forma de pensar e evitar o consumo ensandecido como está ocorrendo. A Cúpula dos Povos vem tentar dar um tom diferente.


11. Você acha que, de certa forma, todos esses eventos que estão programados até 2016 podem facilitar os trabalhos para a propagação da Cúpula dos Povos?

A Cúpula dos Povos é parte de um processo. Ela não começa nem termina. É um processo contínuo. A grande questão é que o apelo da Rio+20 está sendo muito grande. A primeira missão da Cúpula agora é evitar que o mercado se aproprie dos bens comuns e faça a precificação da natureza. A gente quer frear isso. A economia verde não pode virar mercado.

6 comentários:

Anônimo | 21 de janeiro de 2012 às 10:49

é ótimo saber que há pessoas engajadas em transformar nosso país em um lugar melhor e, principalmente, em evitar que o caos ambiental aqui se instaure. Não o conheço pessoalmente, mas aproveito para parabenizar ao entrevistado, Carlos Painel, pelo seu trabalho.

Att,
Glória.

Anônimo | 23 de janeiro de 2012 às 07:30

Uma pena que os ditos grandes veículos de comunicação não estejam preocupados com o tema economia verde. O jornalista André Trigueiro é uma exceçào.

Anônimo | 23 de janeiro de 2012 às 10:13

Gostei muito da entrevista. Conheço o Painel e sei da luta dele. Parabéns.

Anônimo | 23 de janeiro de 2012 às 18:09

esse assunto é muito importante e precisa estar sendo debatido o quanto antes pelos veículos de comunicação.

Anônimo | 24 de janeiro de 2012 às 17:03

bela entrevista ... parabéns

Anônimo | 27 de janeiro de 2012 às 09:15

temos que lutar por uma sociedade mais compromissada com a economia verde.

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