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Marcelo Diniz: Crônicas de um bipolar

Vitor Orlando Gagliardo - jornalista

govitor@yahoo.com.br

Marcelo Diniz é jornalista, publicitário, possui uma empresa de assessoria de comunicação (Conscius) e é bipolar. Mas ele vê a bipolaridade com bom humor. Tanto que está lançando seu segundo livro, “Crônicas de um bipolar” (Ed. Record). Em uma entrevista exclusiva ao Blog Desburocratizando, Marcelo falou sobre seu novo livro e um pouco de sua carreira, inclusive do site Vote Perereca.

Com vocês, Marcelo Diniz.



1. Como que você diagnosticou sua bipolaridade?

Eu tinha 24 ou 25 anos, trabalhava como Gerente Distrital de Vendas da Souza Cruz em Governador Valadares. A responsabilidade era muito grande e tive uma depressão forte. Fiquei internado 45 dias, tomando sonoterapia e um coquetel de remédios. Mas não me contaram o diagnóstico. Eu saí do hospital achando que não teria mais crises. Fiquei tomando uns remédios, ora para depressão, ora para não entrar em euforia, tive outros períodos mais estáveis. Em algum momento, disseram que eu tinha psicose-maníaco-depressiva, que era o nome da época. O termo bipolar surgiu depois. Essa situação durou até os 30 anos, quando mudei para o Rio e pude fazer um tratamento mais adequado, à base de carbonato de lítio.

2. No livro, você retrata sua bipolaridade com bom humor. Mas, na verdade, qual foi o maior problema que você já passou?

As depressões foram poucas em minha vida, mas são as piores fases. No estado de euforia, a gente acha que é o dono do mundo, o mais genial, o mais criativo, que vai ficar milionário – uma série de ilusões que não levam a nada. Mas é um sentimento íntimo muito bom. Só cria problemas para quem está em volta - a família, principalmente. Em função de crises, posso dizer que o meu plano de carreira na Souza Cruz foi prejudicado. Normal. Quem é que está a fim de promover um cara que não está estável emocionalmente? Porém, se o sujeito recebe um tratamento adequado e mantém a estabilidade, não há porque discriminá-lo.


3. E em qual situação ela te ajudou?

Em função da bipolaridade, tenho uma ânsia muito grande de criar coisas novas. Coragem para empreender também. São características que muitas pessoas têm, não só os bipolares. Mas acredito que o transtorno influi na minha personalidade. Acho, por exemplo, que não teria registrado a marca do cometa de Halley e dedicado alguns anos da minha vida a esse projeto se não houvesse um arrebatamento muito grande, quase uma euforia, acreditando que tudo fosse dar certo. Não deu tudo certo, mas foi o projeto da minha vida. 53 grandes empresas lançaram produtos e também acreditaram no empreendimento.


4. Em seu livro ‘O Capital Moral ou a Falta dele’, você convida o leitor a repensar em como fazer funcionar a democracia. Qual a sua conclusão?


A democracia parte do princípio de que um homem/um voto vai promover a igualdade e a justiça. Só que o dinheiro desvirtua tudo. E o voto analfabeto somado ao voto obrigatório desvirtua mais ainda. Nada acontecerá para melhor sem que haja uma verdadeira expansão da consciência de todos, promovendo um capitalismo mais humano e a educação integral de todos os indivíduos. É um processo pelo qual todos devem trabalhar, mas que, infelizmente, eu não verei acontecer na sua plenitude.


5. Fale um pouco mais sobre o projeto ‘Vote Perereca’.

O governo arrecada 40% do que o país inteiro produz. E grande parte das excelências de todos os níveis vive para gastar esse dinheiro em proveito próprio. Querem levar a sociedade à extinção. Os eleitores assistem tudo acontecer com apatia ou desgosto. Poucos fazem alguma coisa além de piadas. Pensando nisso, pesquisei na internet uma perereca do Amazonas que está em extinção. Passei a identificá-la com a população brasileira e criei o www.voteperereca.com.br. Não é uma campanha de voto nulo, pois na internet não se vota oficialmente. Eu gostaria de ver a Perereca com mais votos do que o Maluf, por exemplo. Mostrar pra politicalha toda que o pessoal prefere votar na Perereca do que votar neles. E com isso, a gente vai reproduzindo as notícias de corrupção que saem na imprensa, no intuito de desmoralizar os corruptos. Tudo junto, vira um banco de dados.


Conheça um pouco mais do livro Crônicas de um bipolar (Ed. Record)



ENCARANDO EMPREGOS

Foi a partir do meu primeiro cargo de grande responsabilidade que o diagnóstico apareceu: “psicótico maníaco-depressivo”. Puta merda! E eu ainda saí do hospital achando que estava tudo bem. Vamos ver se estava mesmo...

HAJA CURSO!

Lá na Souza Cruz, virava e mexia a gente era escalado para fazer um curso. Normalmente era em um hotel de Friburgo, Petrópolis ou Teresópolis e durava por volta de uma semana.

No primeiro que eu fui, estava carregado de remédios para a minha psicose-maníaco-depressiva, ainda não conhecia o lítio, vivia dopado. Logo no segundo dia recebemos a visita de um inglesão, super diretor da companhia, que foi fazer a abertura dos trabalhos. Advinha se eu acordei na hora? Entrei salão adentro meia hora atrasado, sem café da manhã e com a barba por fazer – vexame total. Por sorte, o concierge era boa-praça e passou a me despertar pelo telefone todos os dias.

__ Marcelo, ora de acordar, Marcelo!

Cinco minutos depois:

__ Marcelo, canto o hino nacional, vamos!

O segundo curso foi maior – coisa de uns 15 dias. Quando cheguei em Belo

Horizonte, ao primeiro abraço minha mulher foi logo avisando:

__ Estou no período fértil.

__ Foda-se!

E foi isso mesmo. Nove meses depois, nasceu nossa terceira filha, uma lindeza.

Mas no terceiro curso eu bati todos os recordes. Era um negócio chamado Grid Gerencial, que visava avaliar o nosso perfil gerencial em situações normais e em situações de estresse extremo. Eles iam aumentando o grau de tensão ao passar dos dias, de forma que um dos caras nem agüentou. Lá pelo quarto ou quinto dia ele pegou o carro e se mandou de volta. Você podia ser classificado como 1.1, que é uma nulidade total. Podia ser 5.5, que é o famoso “em cima do muro”. Também podia ser 1.9 – nada pela empresa, tudo pelas pessoas. Ou 9.1 – tudo pela empresa, nada pelas pessoas. Idealmente, seria um 9.9, mas a coisa mudava sob tensão e isto era o que não faltava naquela empresa, onde a mentalidade militar de alguns ingleses pra lá de dominadores predominava. Quem avaliava era o seu grupo de trabalho e, no último dia, um determinado colega. Ficavam os dois, frente a frente, que nem briga de galo.

__ Você é isto!

__ Você é aquilo!

Bem, eu agüentei firme e fui até bem avaliado – nota máxima. Mas quando veio a pressão total, coitados dos empregados! Quando disseram que acabou, baixei no bar onde havia uma parede inteirinha decorada com garrafas de licor.

__ Me dá um de cada cor, companheiro. Quero um relaxamento technicolor. Bebi sei lá quantos copinhos. Foi quando um colega anunciou que depois do jantar haveria uma palestra.

__ ‘Cê tá de sacanagem!

Não estava. Depois do jantar, um dos instrutores reuniu todo mundo no salão para nos ensinar mais alguma coisa que, obviamente, eu não me lembro. Só sei que interrompi a fala do homem e fiz uma pergunta “inteligentíssima”. No meio da resposta o pessoal notou que eu tinha caído no sono, mas dizem que o bom instrutor não se fez de rogado. Respondeu tudo direitinho.

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