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Livro desvenda o cotidiano da família muçulmana

Ele estava na Alemanha para fazer mestrado em Economia e Política Internacional. Como a vida é imprevisível, o jornalista Fernando Scheller conheceu lá, amigos vindos do Paquistão, Turquia e Tunísia. Essas amizades mudaram sua vida. Convidado por um amigo para conhecer sua família no Paquistão, ele aceitou. Por lá, ele conheceu a cultura paquistanesa, quebrou estereótipos, presenciou dois ataques terroristas ... Enfim, toda essa esxperiência de vida está relatada no livro ‘Paquistão, viagem à terra dos puros - Um retrato do cotidiano de uma família muçulmana’ (Ed. Globo). Foram meses convivendo diariamente com a família Khan. “o bate-papo entre os membros da família Khan girava em torno dos mesmos tópicos que a minha família conversava quando eu era criança. Programas de tevê, esportes, a corrupção dos políticos, feitos de antepassados. Ali, eu percebi que a família Khan era como se fosse minha”, afirma.



1. O que o motivou a escrever este livro?

Fiz mestrado em Economia e Política Internacional na Alemanha e lá tive contato com muçulmanos de várias origens, vindos do Paquistão, da Turquia e da Tunísia, entre outras nacionalidades. Quando se conhece as pessoas de perto, os estereótipos são naturalmente quebrados. O que eu percebi, logo de início, é que eles são grandes anfitriões e têm um ótimo senso de humor. O fato de serem religiosos e seguirem o Alcorão à risca é uma parte de sua personalidade, mas não os define. Meu amigo Mohammad Ishfaq Khan é a prova viva disso: está sempre disposto a ajudar, sempre com um sorriso no rosto e disposto a promover jantares em que passava horas cozinhando para os amigos. Quando ele me convidou para visitar sua família, já morava no Brasil e pensei: tenho que arranjar um motivo para ir ao Paquistão. Aí surgiu a ideia para o livro, que apresentei para a Editora Globo. Deixei claro para a família Khan que seu modo de vida seria retratado na obra e pedi autorização para isso. A anuência foi concedida quase que totalmente livre de ressalvas. O único pedido foi que eu omitisse o nome das mulheres da família. Como isso não era possível, negociei o uso de pseudônimos, como deixo bem claro logo nos primeiros capítulos.

2. O paquistanês se define como um povo de espírito evoluído. Já o ocidente os define como terroristas e/ou uma cultura atrasada. Qual a sua definição e o porquê deste contraste?

Gosto muito da noção de que o preconceito é a opinião sem informação – e, se meu livro conseguir mudar uma ou duas mentes, acho que vou ter cumprido um papel. É preciso deixar claro que uma coisa são os problemas enfrentados por um país e outra são as pessoas que nele vivem. Os paquistaneses que conheci se penitenciam pelo terrorismo que assola o país e são as principais vítimas deles. Presenciei dois ataques terroristas, um em Mardan e outro em Islamabad, e instaura-se um clima de terror toda a vez que uma bomba explode. Nunca se sabe quando o próximo ataque pode ocorrer. Além disso, colocar o paquistanês ou, pior ainda, os seguidores do Islã em uma só caixa, como se fosse possível defini-los, é outra armadilha. No Paquistão, por exemplo, há quatro diferentes tribos que formam a população, todas de tradições e códigos distintos. Em Mardan, é inadmissível uma mulher sair à rua com a cabeça descoberta, e muitas usam a burca. Em Islamabad, não vi sequer uma mulher de burca nos quinze dias em que lá fiquei, e era muito comum as paquistanesas circularem com roupas ocidentais, como se estivessem em qualquer outro lugar do mundo.

3. Você passou dois meses no Paquistão para a elaboração deste livro. O que mais te marcou positiva e negativamente nessa experiência?


De maneira positiva, com certeza, a forma aberta como fui recebido. No Paquistão, o hóspede tem prioridade total, especialmente na tribo pachtun, no Noroeste do País, fronteira com o Afeganistão, onde fiquei a maior parte do tempo. Criei laços com a família que visitei, e os considero grandes amigos. A matriarca Khan até falou para meu amigo Ishfaq: esse rapaz veio ficar aqui tantas semanas, e eu achei que fosse muito. Mas agora, mesmo sem entender metade do que ele fala, é como se ele fosse um de nós. É um grande elogio. O mais negativo é a situação das mulheres. Aceitei (mas não entendi) a separação que existe entre homens e mulheres em toda a sociedade: nas residências, nos espaços públicos, nas escolas etc. Mesmo onde as turmas são mistas, é como se existisse uma linha invisível que impedisse um contato inteligente entre os sexos. Isto dito, é bom lembrar que as mulheres conquistam seu espaço de qualquer jeito: elas já são maioria nas universidades e têm um desempenho acadêmico muito superior ao dos homens.

4. Durante sua estadia, você ficou na casa da família Khan. Quais as principais características da família paquistanesa?

Acho que a primeira característica é a concentração das grandes decisões nas mãos do patriarca. É ele quem define e decide, em última instância, negócios, empregos, cursos universitários etc. Se ele torce o nariz, é muito difícil que filhos, filhas ou agregados lhe contrariem. Acho, aliás, que ser o pai em uma família paquistanesa deve ser extremamente desgastante: como saber se a decisão tomada sobre a vida de outra pessoa é a correta? Outra característica interessante é o casamento, especialmente o dos membros homens. E são as irmãs e mães que buscam na vizinhança e entre as amigas o par ideal dos rapazes. E a tradição, mais uma vez, manda que a escolha feita pela família seja tacitamente aceita. Como me disseram no Paquistão: as regras no país não foram feitas para serem entendidas, e sim para serem seguidas.

5. É possível apontar semelhanças entre o tipo de vida do brasileiro e do paquistanês?

O que na superfície é completamente diferente pode ser muito parecido quando se olha mais de perto. Eu gosto de usar uma situação prática que vivi no Paquistão para ilustrar o quanto nós, seres humanos, estamos mais próximos do que admitimos. Durante minha visita, o país vivia sucessivos cortes de energia, por conta do baixo nível do reservatório das hidrelétricas. Todos os dias, por volta das 22h, a luz acabava. O jeito era sair para a varanda da casa e tentar espantar o calor (chegou a fazer 50 graus naquele verão). E, ali, vi que todos somos mais parecidos: o bate-papo entre os membros da família Khan girava em torno dos mesmos tópicos que a minha família conversava quando eu era criança. Programas de tevê, esportes, a corrupção dos políticos, feitos de antepassados. Ali, eu percebi que a família Khan era como se fosse minha.

3 comentários:

Anônimo | 7 de dezembro de 2010 às 10:06

Fascinante essa história. Deve ter sido uma tremenda história de vida.

Anônimo | 7 de dezembro de 2010 às 14:11

gostei muito da reportagem. Parabéns.

cristina santos | 7 de dezembro de 2010 às 15:32

realmente é uma história impar,em que vc acompanha o escritor como se estivesse ao seu lado participando nessa aventura cheia de imprevisto...uma explosão de sentimentos e os receios advindos do desconhecido,descritos de uma forma leve as vezes até divertida em nos mostrar o Paquistão.Parabens pela entrevista..

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