Exclusivo

“A censura atual é financeira”
Vitor Orlando Gagliardo - jornalista
govitor@yahoo.com.br

Na segunda parte desta entrevista exclusiva ao Blog Desburocratizando, Tico falou sobre as manifestações promovidas pelo grupo Voluntários da Pátria, de sua vertente literária e do boicote promovido pela rádio MIX de São Paulo. “O boicote além de ser desrespeitoso com o público que escuta a rádio e gosta do Detonautas é anti-profissional com os outros músicos, com a nossa gravadora que é colaboradora deles e soa extremista, afinal de contas, não posso ter opiniões?”.


Com vocês, Tico Santa Cruz.


1. O que foi aquela foto pelado para protestar contra o Senado? Aliás, o Senado parecer ser seu alvo preferido.

Provar que as pessoas só prestam atenção em questões sérias quando envolve alguma atitude reprovável. Qual o problema de estar protestando nu enquanto nossas autoridades vão saqueando o país? O que é pior? E mais além, o que é mais vergonhoso, ficar nu num protesto, roubar ou ver os crimes e não reagir?


2. Sua manifestação na escadaria da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (chamada de Contagem de Corpos) e a passeata Rio Contra a violência arrastou multidões e repercutiu na mídia. Gostaria que você analisasse o comportamento dos jovens nos dias atuais e a falta de engajamento de artistas em causas sociais.

Os jovens em sua grande maioria, nunca devemos generalizar lembrando que existem os que não tem veículos para noticiarem suas mobilizações, estão mais preocupados com suas roupas, orkuts, Msns e Twitters. Defendem seus ídolos com unhas e dentes e defecam para o Brasil e suas responsabilidades como cidadãos. Mas isso não é privilégio dessa geração. Antes os jovens tinham um inimigo de fácil identificação, a Ditadura. Hoje, as questões se diluíram e as prioridades mudaram, de modo que o meu objetivo pode não ser o seu, então por que vamos lutar juntos? A internet criou um novo paradoxo, muita informação disponível e pouca gente interessada em se aprofundar no conteúdo. Como cobrar desses jovens se seus pais, por sua vez, foram omissos em questões sérias muitas vezes?
Da classe artística devemos esperar o que? Áreas Vips em protestos? Flagras de encontros de artistas em mobilizações populares? Tirando alguns pouco que se movem em prol de mudanças significativas na estrutura política desse país, a grande maioria faz caridade que é pra não se comprometer com ninguém e sair bonito na foto. Caridade é importante, mas não muda a fonte do estorvo. Criar ONG para fazer o papel do Governo é importante, mas serve apenas como um paliativo. O que a meu ver é necessário é fazer o governo se responsabilizar pelo que lhe cabe. Mas quem vai bater de frente? Os empresários recomendam, não se meta nisso ou perdemos dinheiro e espaços. A censura atual é financeira.


3. Você é líder do grupo Voluntários da Pátria que traz de volta a reflexão dos nossos jovens sobre o papel de cada um na construção de uma sociedade melhor. Fale um pouco mais sobre esse grupo.


Basicamente nosso objetivo é promover mobilizações para chamar atenção da sociedade para questões políticas e sociais sérias através de ações lúdicas, como comentou anteriormente. Depois vamos a escolas, faculdades, presídios, entre outros lugares, e promovemos debates a respeito das responsabilidades de cada um nesse processo que estamos vivendo. Para isso, usamos a música e a poesia como chamariz. Por fim, ajudamos a montar bibliotecas e incentivamos a leitura como único instrumento real de transformação do senso comum, gerando uma postura mais crítica para que isso possa, enfim, acender o desejo de questionar o porquê de tanta apatia.


4. Em seu artigo ‘Eu subornei o diabo’, você faz uma crítica contundente à mídia. Você acha que falta espaço para a arte popular nos veículos de comunicação?

Não critiquei a mídia. Critiquei como as pessoas se alimentam dela. Deixei claro que a mídia não é boa nem má, só depende da fonte de onde estamos bebendo. Cada qual escolhe a sua maneira de se informar. O problema é que é mais confortável receber a papinha na boquinha do que descer para caçar. Vivemos num mundo capitalista, então sejamos realistas, é o dinheiro quem manda, são os anunciantes que decidem o que vai tocar e o que não vai, o que vai passar na TV e o que vai ficar de fora. O Ibope é quem determina o que é de qualidade e o que não presta. Mas existem diversas formas de participar dessa engrenagem, eu apenas salientei que sei qual é meu papel na engrenagem.

5. Você escreveu em seu blog sobre o suposto boicote patrocinado pela Rádio Mix as suas músicas. Como é ser censurado ainda mais por um veículo de comunicação em um grande pólo como São Paulo?

Não é um suposto Boicote, é um Boicote Real. Promovido por um diretor que diz que não toca o Detonautas porque o “Tico Santa Cruz fala demais”. A meu ver, isso além de ser desrespeitoso com o público que escuta a rádio e gosta do Detonautas é anti-profissional com os outros músicos, com a nossa gravadora que é colaboradora deles e soa extremista, afinal de contas, não posso ter opiniões? Devo abanar o rabinho para agradá-lo e ter minha música entre os Top 10? Definitivamente não sou esse artista.

6. Você tem uma relação de interação com seus fãs pela internet. Você emite suas opiniões, disponibiliza download de música e ainda está está se aventurando pela literatura. Dois pontos: você acredita que o download pago das músicas é a solução para a crise das gravadoras? E a segunda: fale um pouco mais sobre o Tico escritor.

Acredito que a indústria terá de reformular sua maneira de conduzir os negócios com um pouco mais de bom senso e criatividade. Muitos já estão se adaptando, mas a juventude e a forma de consumo muda numa velocidade muito grande e eles não entenderam esse processo ainda. Faltam mentes jovens e empreendedoras trabalhando pela criação de uma nova forma de comércio, mas creio que eles conseguirão se adaptar ou desaparecerão como manda a lógica Darwinista. Minha relação com os fãs é de acordo com o que reconheço como a prática atual, estou disponível, próximo, trocando idéias, colaborando e até discutindo quando me é conveniente. O Tico Santa Cruz escritor é muito mais eficiente do que o Tico Santa Cruz músico. Talvez por conseguir expressar nos meus textos minhas opiniões de uma forma mais objetiva. Como compositor reconheço que não tenho a mesma eficiência, talvez no futuro. Por outro lado, respeito a literatura e me coloco na linha paralela, dos que fazem o que chamo de literatura marginal. Não marginal de bandido, mas sim daquele que está a margem do padrão literário. Alimento quase diariamente um blog desde 2004, devo ter mais de 5 mil páginas escritas. O volume é grande o que não significa qualidade, mas significa que a meu modo estou retratando o mundo em que vivo e observo e isso além de ser um excelente exercício para o cérebro, me cura como uma terapia.

1 comentários:

Mayara Gabriela | 15 de maio de 2010 às 22:58

Muito boa essa entrevista com o Tico! Eu sou antes de tudo fã dele e das suas músicas e mais recentemente leitora assídua do seu blog e o acompanho no seu engajamento em projetos sociais. O admiro muito e acho super importante que pessoas como você dêem a ele o direito de 'resposta' a tudo o que falam (bem ou mal) dele por aí pelas esquinas! Belo trabalho. ;)

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