Matéria

Doe órgãos e ganhe vida
Vitor Orlando Gagliardo - jornalista

govitor@yahoo.com.br


A matéria publicada ontem, aqui no no
Blog Desburocratizando, sobre o lançamento do Programa Estadual de Transplantes, suscitou dúvidas, e dessa forma, a necessidade fazer uma suíte (prolongamento) sobre o tema.

Qualquer pessoas pode ser um doador. Para tanto, não é necessário fazer nenhum documento por escrito. Basta que a sua família esteja ciente da sua vontade. Assim quando for constatada a morte encefálica do paciente, pode ser aproveitada, ou não, alguma parte do corpo. O objetivo é a tentativa de salvar novas vidas.

Vale lembrar, que há órgãos que podem ser doados em vida, como, por exemplo, parte do fígado, um dos rins e parte da medula óssea.

No entanto, a realidade brasileira demonstra que filas à espera de um transplante aumentam ano após ano. Para se ter uma idéia, São Paulo foi o Estado que mais realizou transplantes no ano passado, totalizando aproximadamente 13 mil. Basicamente, esse mesmo número está na fila de espera.

Analisando dados do Ministério da Saúde, pode-se tirar algumas conclusões. Há Estados que não realizaram nenhum tipo de transplante no ano passado e consequentemente, não tem fila de espera. São estes: Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins. No Acre, embora também não haja fila de espera, foram realizados sete transplantes de córnea.

Por sinal, o órgão mais transplantado é a córnea. De acordo com os dados do Ministério da Saúde, foram realizados 6.151 transplantes em todo o país, só no primeiro semestre de 2009. Detalhe: a fila de espera para este órgão é de 40.110 pessoas.

Para uma melhor análise, entrevistamos a Dra. Maria Cristina Ribeiro de Castro, presidente do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) - veja a entrevista abaixo. Ela disse que é fundamental o diálogo nas famílias para diminuir a recusa às doações.É muito importante que a família fale sobre doação de órgãos em casa, no seu dia a dia, que todos expressem sua vontade de ser ou não doador. Isso facilita muito a decisão da família quando o fato ocorre, pois ela tende sempre a respeitar a vontade daquele ente querido. A família assim pode de alguma maneira dar um significado à morte, o que auxilia muito essa fase difícil por que tem que passar”.

Entrevista com Dra. Maria Cristina Ribeiro de Castro
Presidente do Conselho Consultivo da ABTO

1. Como a senhora avalia a atual Política Nacional de Transplantes?

O Brasil tem o maior sistema público de transplantes do mundo ocidental, realiza um número muito expressivo de transplantes, mas que representa menos de 25% da lista de espera, que hoje alcança 65 mil pacientes. Temos um número suficiente de hospitais e equipes (ainda que mal distribuídos no país), uma legislação avançada, critérios bastante adequados e transparentes de distribuição de órgãos. Mas falta-nos o fundamental, um maior número de doadores e, sem doador, não há transplante.

A legislação brasileira atual permite que intensivistas, neurologistas e transplantadores trabalhem adequadamente. Mas precisamos garantir que a legislação seja seguida em todos os Estados e que as centrais de transplantes estejam todas implantadas e funcionando com boa estrutura. Existe também a lei que determina que se tenha uma comissão intra-hospitalar de transplante em todos os hospitais com UTIs de nível 2 e 3. É essa comissão que, dentro dos hospitais, vai detectar o potencial do hospital em diagnosticar casos de morte encefálica, notificar os casos, conversar com a família, promover a correta manutenção do doador e acompanhar todo o processo até entregar o corpo para a família. É necessário que os hospitais tenham esse serviço funcionando adequadamente como prevê a legislação em vigor. O programa de transplantes brasileiro é, portanto, muito grande. Existe uma política nacional de transplantes bem estabelecida, mas todas as estruturas envolvidas precisam funcionar com melhor infraestrutura.

A ABTO tem, ao longo dos anos, se colocado sempre à disposição do Ministério da Saúde, para unir esforços nas campanhas de doação de órgãos, na análise mais profunda dos transplantes realizados no país, na elaboração de diretrizes, regulamentos e portarias que permitam o avanço dessa área tão importante para a sociedade.


2. O que a senhora acha do Programa Estadual de Transplantes (PET) do Rio de Janeiro?

Analisando os dados sobre transplantes e captação de órgãos e tecidos nos vários Estados brasileiros, observamos que existem enormes diferenças no tamanho das listas de espera para transplante e nos resultados de doação, captação e transplantes obtidos por cada Estado. Nem sempre, os Estados com maior população e maiores listas são os que têm maior atividade. Esse é o caso, por exemplo, de grandes Estados como o Rio de Janeiro e a Bahia. Alguns Estados brasileiros apresentam taxas de captação de órgãos semelhantes aos dos Estados Unidos. Em outros Estados , apesar da existência de um grande número de hospitais capacitados para atender casos graves, muitos pacientes que estão à espera de um transplante são obrigados a migrar para lugares onde a captação está mais organizada. Felizmente, estamos vendo nos últimos meses um movimento importante no Rio de Janeiro que tem o objetivo de mudar essa realidade. Tenho esperança de que esse quadro possa ser mudado.

3. A fila de espera aumenta a cada ano, assim como, o número de transplantes realizados. Como lidar com essa situação?

Infelizmente, em nenhum país do mundo as filas de espera para transplantes deixam de existir, uma vez que com o envelhecimento da população, o número de pessoas que necessita de um transplante tende a aumentar, e o número de doadores ainda é insuficiente.

No Brasil, lidamos com essa situação trabalhando para a evolução da doação de órgãos e dos transplantes. O número de doadores no país tem crescido ano a ano, sendo que de 2008 para 2009 a taxa de doadores efetivos teve aumento de 26%. Em números absolutos, foi de 1317 doadores efetivos em 2008 para 1658 em 2009.

Esse aumento se deve principalmente a uma maior organização do sistema de captação de órgãos e tecidos em alguns estados brasileiros, que infelizmente não ocorreu em todos os estados. Ocorreu por melhoria na detecção, na manutenção e na efetivação de potenciais doadores de órgãos, decorrentes de ações mais efetivas das centrais estaduais de transplantes e das comissões intra-hospitalares de doação de órgãos.

4. O que é necessário para mudar esta situação?

A ABTO trabalha intensamente para aumentar o número de doações e de transplantes no Brasil e para garantir que ambos os processos sejam bem realizados. Faz cursos, campanhas, publicações, oferece bolsas de estudo, faz ações junto aos governos estaduais e federal sempre com o intuito de esclarecer a população, formar profissionais, melhorar o programa de transplante e avaliar os resultados das doações e dos transplantes no país.

Com a melhor organização das centrais estaduais de transplante, com a criação das organizações de procura de órgãos pelas secretarias de saúde, com a efetiva atuação das comissões intra-hospitalares de doação e transplante, com o aumento de número de profissionais de saúde com formação e remuneração adequadas para trabalhar nessa área e com a participação cada vez maior da sociedade nesse processo, esperamos um aumento progressivo do número de doações. No entanto, é de fundamental importância que esse processo não fique restrito a grandes centros ou estados do sul-sudeste, ele deve se espalhar pelo país, e estar próximo das pessoas que doam e que precisam receber um transplante.

5. Acha que o brasileiro já está conscientizado da importância da doação?

Em geral, no Brasil, a taxa de recusa familiar à doação gira em torno de 30 a 40%, e é importante ressaltar que existem diferenças regionais no país. Essa taxa é considerada não muito alta, mas existem países que conseguem taxas menores do que 20% e devemos trabalhar para atingi-las, com campanhas permanentes de esclarecimento à população. Em relação à negativa familiar, o que melhora muito o processo é a informação das pessoas sobre o processo e o diálogo em casa, entre os familiares. Muitas pessoas evitam falar sobre a morte no seu dia a dia. Mas quando ocorre um caso de morte encefálica na família, observamos que, se o indivíduo teve a oportunidade de manifestar em vida, aos seus entes queridos, a vontade de ser doador, isso facilita muito a tarefa dos parentes, que são responsáveis legalmente por dar essa autorização.

É sempre importante salientar que a doação é um processo que sai da sociedade e volta para a sociedade. E cada vez mais precisaremos de transplantes de órgãos e tecidos. Cabe a cada cidadão se envolver nessa batalha, que é de todos nós.

6. Por que estados da Região Norte, como Amapá, Roraima, Rondônia e Tocantins, não possuem fila de espera e muito menos realizaram transplantes no ano passado?

Todos os Estados têm potenciais doadores de órgãos, pessoas que evoluem para um estado de morte encefálica, sem nenhuma chance de recuperação, após sofrerem um traumatismo de crânio ou um acidente vascular cerebral.

Esses potenciais doadores precisam ser detectados pelos serviços de saúde, precisam ter o diagnóstico de morte encefálica confirmado, precisam ser mantidos em condições adequadas e as famílias precisam ser consultadas sobre a doação de órgãos. Isso depende de um esforço conjunto das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, dos gestores dos hospitais que atendem emergências, dos profissionais de saúde que trabalham nessas unidades e da sociedade, a quem cabe cobrar do poder público que todo esse processo funcione.


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